O que é a Agricultura Sintrópica? | Cultiva-te | AgroB

O que é a Agricultura Sintrópica?

Spread the love

 

A AGRICULTURA SINTRÓPICA É UM SISTEMA AGROFLORESTAL que, como o nome indica, consocia a componente agrícola com a florestal, baseando-se na diversidade de espécies vegetais, no aproveitamento do espaço em altura (estratificação), na continuação das espécies de forma temporal e espacial, assim como no enriquecimento do solo pela introdução de resíduos vegetais destas.

O sistema assenta no conceito de sucessão natural em que cada espécie vegetal se encaixa no tempo e no espaço no ecossistema, contribuindo para um aumento constante de recursos. 

Este sistema agroflorestal baseia-se em ambientes naturais, sem intervenção do Homem que contraria a agricultura como a conhecemos, muito assente em cultivo de culturas de ciclo curto e/ou cultivo de monoculturas perenes. Por estes motivos, este tipo de agricultura é apontada como uma das causas da degradação dos ecossistemas devido a distúrbios constantes, resultando na diminuição da biodiversidade e em impactos negativos nas propriedades do solo, comprometendo o ambiente e a produção de alimentos.

 

Quando e quem idealizou este sistema?

A agricultura sintrópica foi idealizada e fundamentada por Ernst Götsch, um agricultor e investigador suíço. 

Os primeiros anos da sua carreira foram marcados pela investigação em melhoramento genético, porém, no decorrer do seu trabalho, Götsch questionou-se sobre o princípio do seu trabalho, questionando-se sobre o porquê de criar genótipos resistentes às condições a que as sujeitamos, em vez de proporcionar as condições favoráveis para o seu bom desenvolvimento das plantas. No início da década de 80, esta questão fê-lo abandonar esta atividade e iniciar as suas próprias experiências, procurando respostas para as suas questões, às quais se dedica até hoje. 

Ernst com o seu trabalho e investigação é responsável pela recuperação de ecossistemas totalmente degradados, ao mesmo tempo que produz alimentos.

 

Figura: Ernst Götsch (Fonte: agendagotsch.com)

 

 

Fundamentos, princípios e importância da Agricultura Sintrópica

A agricultura sintrópica baseia-se e fundamenta-se na prática de operações sustentáveis tais como:

  • Uso de fertilizantes orgânicos: a fertilidade do ecossistema deve-se “sustentar” através dele próprio recorrendo, por exemplo: a restos de culturas, lenhas de poda, entre outros.
  • Perturbação mínima do solo: práticas que promovam a mobilização (“perturbação”) do solo são evitadas. Este sistema é baseado na sucessão natural e consociações de culturas, pelo que não se pratica a preparação do solo generalizada como acontece na agricultura convencional.
  • Rega mínima: de forma a que as plantas se adaptem de forma natural e prosperem naturalmente nas condições envolventes até que o sistema no seu todo consiga a capacidade de criar ciclos de água e a reter no solo para as culturas.
  • Controlo natural de pragas e doenças: em agricultura sintrópica pragas e doenças são indicadores de que há uma “falha” no planeamento e gestão do sistema.
  • Rotação e consociação de culturas: a agricultura sintrópica assenta na inclusão de diferentes espécies agrícolas e florestais que se complementam através de relações sinérgicas e antagonistas que contribuem para uma sucessão natural e contínua.

 

Para que este sistema agroflorestal seja funcional e independente, há alguns princípios que Götsch percebeu como fundamentais para que prospere. Assim, alguns dos princípios práticos pelos quais a Agricultura Sintrópica se rege são:

 

1.  Elevada biodiversidade vegetal:

A diversidade vegetal que compõe o sistema agroflorestal deve ser enorme para que seja possível a criação de consociações diversificadas de forma a que sejam compostas por espécies com durações de ciclos culturais variáveis que contribuam para a sucessão natural do local, que possibilite maximizar o aproveitamento do espaço e interações benéficas entre diferentes espécies vegetais. A elevada biodiversidade e consociações permite um controlo natural de pragas e doenças. Algumas espécies escolhidas para a consociação podem ser selecionadas não com objetivo principal o seu consumo, mas pelos efeitos nas culturas envolventes, como por exemplo, a capacidade de repelir naturalmente pragas de outras espécies ou, em contrapartida, atrair agentes polinizadores, fixação de azoto atmosférico ou simplesmente para cobertura do solo.

 

2.  Estratificação:

Tem como objetivo aproveitar o máximo de luz para a fotossíntese por um número máximo de plantas possível. A estratificação consiste na plantação de diferentes espécies no mesmo local e ao mesmo tempo, de forma a que estas cooperem entre si. É definida como a “ocupação vertical da agrofloresta”. Em Portugal, é frequente vermos pequenos exemplos de estratificação, como acontece com o enforcado, frequente encontrar na região do Minho, em que as videiras são suportadas por tutores vivos e conforme representado esquematicamente na figura seguinte.

 

Figura: Estratificação em agricultura sintrópica (adaptado de: desenho de Ernst Götsch para SAF na herdade do Freixo do Meio, Portugal, 2018)

 

Este sistema permite uma maior densidade vegetal por área, maximizando a utilização de luz pelas plantas o que se traduz em taxas fotossintéticas e de produção de biomassa elevados. Através da estratificação é possível aproveitar ao máximo o espaço pela instalação de diferentes estratos (entenda-se por plantas de alturas distintas) que permitem conciliar diferentes características no mesmo espaço. São exemplos a exigência em luz, duração do ciclo de vida, entre outras, contribuindo para a diminuição de ataques de pragas e doenças, ou redução de situações de stress.

Figura: Exemplo de estratificação vegetal em agricultura sintrópica (adaptado de: desenho de Ernst Götsch para SAF na herdade do Freixo do Meio, Portugal, 2018)

 

Ao longo dos anos, Götsch identificou onze tipos de estratos, enumerando quatro deles como principais:

  • Estrato emergente: necessitam de luz direta durante todo o dia.
  • Estrato alto: toleram sombras ocasionais por alguns momentos ao longo dia.
  • Estrato médio: toleram um pouco mais o ensombramento do que as de estrato alto.
  • Estrato baixo: bem-adaptadas a ensombramento, realizam a fotossíntese com luz filtrada pelas plantas dos estratos superiores.

Figura: Estratos principais (adaptado de: desenho de Ernst Götsch para SAF na herdade do Freixo do Meio, Portugal, 2018)

 

3.  Sucessão natural:

Segundo a visão do autor corresponde a consócios ou grupos de plantas que se sobrepõem espacial e temporalmente e, quando um grupo termina o seu ciclo cultural, dá lugar a outro. Esta continuidade de diferentes ciclos de forma natural e contínua é definida como sucessão natural. A sucessão natural pode acontecer entre plantas da mesma espécie ou de espécies diferentes.

 

4.  Cobertura do solo:

A agricultura sintrópica defende a cobertura do solo de forma permanente, contínua e abundante. Para além da instalação de espécies de cobertura, pode-se recorrer a culturas com elevada capacidade de introdução de biomassa para cobertura do solo, através de lenha de poda, folhas, entre outras. A cobertura do solo apresenta variadíssimos benefícios, sendo apontados, entre outros: aumento de resíduos orgânicos no solo, melhoria da fertilidade, aumento da matéria orgânica, aumento da população e atividade microbiana, supressão de infestantes, entre outros.

 

A agricultura sintrópica é, portanto, um sistema que contribui para a recuperação de ecossistemas degradados, restituindo-lhes a vitalidade e fertilidade com base em soluções que veem o ecossistema como um todo, não visando como objetivo principal a obtenção de lucro. Neste sistema agroflorestal o Homem é visto como uma peça integrante do ecossistema, contribuindo para intervir ponderadamente e em equilíbrio com o sistema, favorecendo relações intra e interespecíficas em prol da biodiversidade e da sucessão natural contínua de espécies.

 

Autora do artigo:
Susana Moreira (Técnica e Investigadora Agrónoma)

 

Referências:

Pasini, F. (s.d.). Natural Succession in Syntropic Farming: An ecological concept according to the interpretation of Ernst Götsch

Guimarães, L. & Mendonça, G. (2019). Conceitos e Princípios Práticos da Agrofloresta Sucessional Biodiversa (Agricultura Sintrópica).

Gietzen, R. 2016. Abundância Agroflorestal – guia de agricultura sintrópica