Como escolher o momento certo para a colheita da azeitona

Como escolher o momento certo para a colheita da azeitona

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Decidir quando colher a azeitona é uma opção técnica com impacto direto na qualidade do azeite, no rendimento e até no potencial produtivo do olival na campanha seguinte. Não existe uma data fixa, existe uma janela em que o fruto atinge características fisiológicas e bioquímicas desejáveis. Essa janela varia com a cultivar, o clima e o estado fitossanitário da campanha, por isso o acompanhamento em campo é indispensável. Em Portugal, a maturação inicia-se geralmente do final do verão ao início do outono, tornando-se visível pela mudança gradual de cor do epicarpo, de verde intenso para verde-amarelado, depois surgem as primeiras manchas violáceas, até à coloração violeta a negra nas variedades que escurecem totalmente. Em paralelo, o fruto completa o crescimento, altera a textura, reorganiza açúcares e ácidos orgânicos, e acumula gordura na polpa.

Uma forma simples e robusta de objectivar esta evolução é o Índice de Maturação, também chamado Índice de Jaén. Parte da classificação visual de uma amostra representativa de 100 frutos em oito classes, de 0 a 7, com base na cor da epiderme e na profundidade da pigmentação na polpa, desde verde intenso até polpa pigmentada até ao caroço. A prática corrente recomenda colheitas semanais de amostras, recolhidas nas quatro exposições da copa, homogeneizadas e classificadas para calcular uma média ponderada do lote. Para azeite, muitos olivicultores trabalham com valores de referência entre cerca de 2,5 e 3,5, entendendo que é uma orientação, não uma regra rígida para todas as cultivares e anos. A gordura útil do fruto tende a estabilizar por volta de IM 3 a 4, e aumentos posteriores na percentagem em base fresca podem refletir sobretudo a perda de água do fruto.

Azeitona em alteração de cor

No caso do azeite, uma colheita antecipada dentro da janela de maturação traz habitualmente ganhos organoléticos, com azeites mais frutados, frescos e ricos em compostos fenólicos, embora com rendimento ligeiramente inferior. À medida que a campanha avança e os frutos amadurecem, a síntese de lípidos abranda e a perceção de aumento de rendimento na matéria fresca resulta muitas vezes da desidratação do fruto, que reduz o teor de humidade. O atraso excessivo penaliza a qualidade, favorece defeitos e diminui polifenóis, por isso o compromisso ideal combina o alvo sensorial da marca com o ponto em que o teor de gordura útil já estabilizou.

Quando o destino é a azeitona de mesa, a colheita desloca-se para estados menos maduros, porque se privilegiam firmeza de polpa, relação polpa/caroço e integridade superficial. Para conservas em verde procura-se fruto em classes muito precoces, essencialmente 0 e 1, com caroço a destacar-se da polpa sem esforço. Para conserva tipo negro por oxidação pode colher-se em verde-amarelado admitindo alguma mancha violácea, enquanto as negras naturais exigem maturação avançada, com pigmentação da polpa que progride para junto do caroço. Em Portugal existem tradições regionais específicas e cultivares com aptidão própria para cada tipo de conserva, o que reforça a necessidade de ajustar o ponto de corte ao produto final.

Fruto em classe classes precoces
Fruto em classe classes precoces

A decisão de data não se resume à qualidade do produto. Tem implicações operacionais, económicas e agronómicas. Em olivais com mecanização, a resistência ao desprendimento do fruto cai com a maturação, o que aumenta a eficiência do vibrador dentro de uma janela. A adaptação da cultivar ao sistema é determinante. A Cobrançosa, muito representativa no Norte e Alentejo, está referenciada como compatível com colheita mecânica por vibração, o que facilita operações em intensivo e em sebe estreita quando o sistema é corretamente ajustado. A Galega Vulgar, por seu lado, é descrita como pouco apropriada à vibração e muito suscetível à gafa, pelo que atrasos podem ampliar perdas. Algumas Verdeais, como a Verdeal Alentejana, apresentam resistência ao desprendimento e são pouco apropriadas à vibração de tronco, o que concentra a janela útil e obriga a planear bem o apoio manual. Em pomares com mais de uma variedade, escalonar cultivares com maturações desencontradas ajuda a usar melhor máquinas e equipas sem sair do ótimo de cada uma.

Há também efeitos na campanha seguinte. A oliveira manifesta alternância de produção e sabe-se que o fruto em carga elevada pode inibir a indução floral e o abrolhamento de gomos, reduzindo a floração do ano seguinte. Ensaios clássicos e modernos mostram que a remoção de fruto antes do período de indução no inverno melhora o retorno de floração, enquanto a manutenção de carga e colheitas muito tardias agravam o fenómeno. Este conhecimento suporta estratégias de colheita mais cedo em anos de grande safra, que reduzem a penalização do ano seguinte.

Fruto em desidratação
Fruto em desidratação

O estado sanitário da campanha é outro eixo crítico. Em anos com outonos quentes e chuvosos eleva-se o risco de gafa, hoje atribuída a espécies do género Colletotrichum, que depreciam fortemente a qualidade do azeite e podem causar perdas severas. Nessas situações, a antecipação da colheita e o aumento do ritmo diário são medidas culturais recomendadas, sempre com coordenação com a capacidade do lagar. A mosca da azeitona, Bactrocera oleae, quando em níveis elevados, provoca perdas quantitativas por queda e consumo de polpa e perdas qualitativas no azeite, pelo que uma decisão de colher mais cedo e laborar de imediato os lotes atacados é uma resposta frequente nos planos de proteção integrada.

Em termos de método de decisão, o produtor deve combinar observação visual, Índice de Maturação e alguns parâmetros simples de campo. A rotina semanal de colheita de 100 frutos representativos nas quatro exposições da copa, a sua classificação em classes 0 a 7 e o cálculo do índice permitem seguir o lote ao longo de quatro a seis semanas antes da janela habitual e identificar o patamar de estabilização do rendimento útil. Em muitas situações de azeite de qualidade o corte ocorre quando a maioria dos frutos está entre classes 2 e 3 e o IM médio ronda 3, mas convém ajustar ao objetivo sensorial e àcultivar. Uma regra prática frequentemente usada é iniciar a colheita quando desaparecem os frutos totalmente verdes da copa nas variedades que escurecem, evitando que mais de 10 a 15 por cento da produção vá ao chão, o que além de perdas quantitativas está associado a defeitos.

Convém não esquecer que parte do rendimento que o agricultor observa no decorrer da campanha resulta de variações na humidade da azeitona. Quando a síntese de azeite já abrandou, o decréscimo de água do fruto faz subir a percentagem em base fresca, o que pode ser ilusório se as perdas por queda, por pragas ou por chuvas intensas superarem esse efeito. Esse é um dos motivos pelos quais atrasar a colheita para ganhar mais rendimento raramente compensa em qualidade global do azeite e risco operacional.

Rede proteção de fruto

Em síntese prática, decidir bem passa por ligar quatro planos. Primeiro, monitorizar a maturação com método e amostras bem tiradas, usando o Índice de Jaén como linguagem comum entre campo e lagar. Segundo, definir o alvo sensorial e de marca e cruzá-lo com a curva de gordura e com o cronograma de mecanização. Terceiro, ler a campanha fitossanitária, em especial mosca e gafa, e aceitar que em anos de maior pressão a melhor qualidade sai mais cedo. Quarto, lembrar que a colheita demasiado tardia tem custos escondidos no retorno de floração e no risco de perdas por clima e queda. Com esta disciplina, agricultores e operadores conseguem alinhar qualidade, rendimento e regularidade produtiva, ajustando o momento certo de colheita a cada olival, cultivar e ano