Os cinco pilares do bem-estar animal

Os cinco pilares do bem-estar animal

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Falar de bem-estar animal é falar de um conceito que ultrapassa o campo ético e atinge diretamente a esfera económica, produtiva, ambiental e social. Numa altura em que os consumidores estão cada vez mais atentos às condições em que os animais são criados e em que os visitantes procuram experiências autênticas ligadas ao mundo rural, garantir condições adequadas aos animais deixou de ser apenas um requisito legal e passou a ser uma vantagem competitiva.

Em Portugal, o enquadramento legal foi-se consolidando ao longo das últimas décadas, acompanhando e muitas vezes superando as normas estabelecidas pela União Europeia. O Decreto-lei 135/2003 e o Decreto-lei 155/2008 constituem referências obrigatórias, mas o país tem ido além, criando regulamentos complementares que exigem melhores condições de alojamento, alimentação e circulação. As orientações da Organização Mundial de Saúde Animal, que definem as conhecidas cinco liberdades, são a base do que aqui chamamos os cinco pilares do bem-estar animal.

Alimentação e hidratação: a base da produtividade

O primeiro pilar é o acesso a alimentos e água em quantidade e qualidade suficientes. A água, frequentemente subvalorizada, é tão crítica que, em explorações leiteiras, deve cumprir os mesmos parâmetros da água destinada ao consumo humano. A má qualidade da água pode provocar doenças, reduzir a ingestão alimentar e comprometer a produção de leite e carne. Do mesmo modo, a alimentação deve ser cuidadosamente planeada, adaptando-se às necessidades nutricionais que variam com a idade, peso, estado reprodutivo ou produtivo dos animais.

Em sistemas de produção integrada, é obrigatório incluir fibra na dieta, enquanto em sistemas intensivos de bovinos para abate, alimentos como a palha desempenham um papel duplo: melhoram a digestibilidade e reduzem problemas podais. Nas explorações extensivas, o pastoreio é uma forma natural de garantir bem-estar, reduzir custos e reforçar a ligação dos animais ao ambiente. Já na suinicultura, o uso de leites de substituição contribui para aumentar a sobrevivência dos leitões, reduzindo mortalidades e aumentando o rendimento económico.

A gestão alimentar é também um fator de imagem e confiança. Cada vez mais, os consumidores querem saber de onde vem a carne, o leite ou o queijo que consomem. Quando se garante que os animais têm uma nutrição equilibrada, não só se assegura a sua saúde, mas também a segurança alimentar e a qualidade do produto final.

Alimentação e hidratação

Conforto e alojamento: o espaço como fator de bem-estar

O segundo pilar é o alojamento adequado. As instalações devem garantir conforto térmico, higiene, proteção contra intempéries e condições que estimulem o descanso. Um animal que descansa mais é um animal mais produtivo. Estudos demonstram que vacas leiteiras com acesso a camas limpas e confortáveis produzem mais leite e com melhor qualidade.

A ventilação é outro elemento essencial. Gases como amoníaco, dióxido de carbono ou metano, quando acumulados, afetam diretamente a saúde respiratória. O dimensionamento correto do espaço evita sobrelotação, que leva ao stress, a agressões e à disseminação de doenças. Os pisos devem ser seguros, reduzindo quedas e ferimentos, e o maneio da cama deve assegurar que esta se mantém seca e limpa.

Na suinicultura, os sistemas ao ar livre são um exemplo de como o alojamento pode ser adaptado para promover bem-estar, já que oferecem maior área individual e reduzem os problemas típicos dos confinamentos. Do ponto de vista turístico, instalações bem cuidadas transmitem confiança e são vistas como prova de profissionalismo e respeito pelos animais.

Conforto e alojamento

Sanidade e biossegurança: prevenir é mais rentável que tratar

O terceiro pilar, a liberdade de dor, lesão e doença, é talvez o mais estratégico em termos económicos. Manter os animais saudáveis reduz custos com tratamentos, perdas de produção e riscos de mortalidade. A biossegurança é o primeiro escudo protetor. Implica medidas como quarentena para animais recém-chegados, desinfeção de veículos e equipamentos, utilização de roupa de trabalho limpa e restrição da circulação de pessoas na exploração.

O registo e a rastreabilidade são ferramentas indispensáveis, permitindo responder de forma rápida e eficaz a surtos. O caderno de campo, obrigatório durante pelo menos três anos, garante a monitorização dos tratamentos, maneio e vacinação.

A vacinação é um investimento que garante maior resistência e abre portas a mercados internacionais, já que muitas trocas comerciais dependem de certificações sanitárias. Mas nenhuma vacina é eficaz sem condições adequadas de higiene e de maneio. O uso de medicamentos deve ser responsável, limitado ao estritamente necessário e sempre com acompanhamento veterinário, respeitando os intervalos de segurança para evitar resíduos nos produtos de origem animal.

Quanto às práticas dolorosas, como a castração e a caudectomia em suínos, a tendência é restringi-las ao mínimo. Quando inevitáveis, devem ser justificadas por registos e realizadas sob anestesia e analgesia, preferindo alternativas como a imunocastração, que reduz o sofrimento e melhora a perceção pública sobre o setor.

Sanidade e biossegurança

Maneio humano e transporte: reduzir medo e stress

O quarto pilar é a liberdade de medo e stress. Aqui, o papel do tratador é central. A forma como se lida diariamente com os animais influencia o seu comportamento e produtividade. Animais sujeitos a ruídos excessivos, agressividade ou manipulação brusca tornam-se ansiosos, mais difíceis de manusear e menos produtivos.

Nas explorações leiteiras, a tranquilidade na sala de ordenha é um exemplo claro. Ambientes silenciosos, com percursos bem desenhados e sem degraus ou rampas desnecessárias, reduzem o stress das vacas e aumentam a eficiência da ordenha.

O transporte é outro momento crítico. Viagens longas, em más condições de ventilação ou espaço, causam sofrimento e comprometem a qualidade da carne, originando defeitos como a carne DFD (Dark, Firm and Dry). O planeamento cuidadoso do transporte, respeitando períodos de descanso e densidade adequada, é uma exigência legal, mas também uma prática que protege a rentabilidade.

Transporte de bovinos
Fonte: Fundação Roge

Expressão de comportamentos naturais: respeitar a natureza do animal

O quinto pilar é a liberdade para expressar comportamentos naturais. Cada espécie tem instintos e necessidades comportamentais que devem ser respeitados. Nos suínos, por exemplo, o acesso a materiais manipuláveis como palha ou objetos simples reduz frustrações e agressividade. A homogeneidade dos grupos e o espaço suficiente para repouso coletivo são igualmente fundamentais.

Nos ovinos, a tosquia não é apenas uma prática de maneio, mas uma necessidade de saúde, já que o crescimento contínuo da lã pode levar ao sobreaquecimento e dificultar a mobilidade. Nos bovinos, permitir acesso ao pasto ou a áreas de exercício estimula comportamentos sociais, reduz o stress e melhora a condição física.

Do ponto de vista turístico, observar animais a expressarem os seus comportamentos naturais acrescenta valor à experiência dos visitantes, que cada vez mais procuram autenticidade e respeito pelos ritmos naturais.

Expressão de comportamentos naturais

Sustentabilidade e gestão de resíduos: o sexto elemento

Embora os cinco pilares sejam a base, não podemos esquecer o papel da gestão de resíduos e da sustentabilidade, que funciona como um sexto elemento transversal. O Novo Regime de Exercício da Atividade Pecuária estabelece normas para a gestão de efluentes, que devem ser encarados não como resíduos, mas como subprodutos valiosos. A valorização agrícola de chorumes e estrumes devolve nutrientes ao solo, aumenta a fertilidade e fecha o ciclo da produção. Tecnologias de compostagem e tratamento permitem transformar resíduos em corretivos orgânicos ou até reutilizar água em suiniculturas, reduzindo o impacto ambiental e fortalecendo a imagem sustentável da exploração.

Sustentabilidade e gestão de resíduos

Implementar estes cinco pilares não é apenas cumprir a lei. É uma decisão estratégica que coloca a exploração num patamar superior. Animais saudáveis e respeitados traduzem-se em maior produtividade, menor risco de perdas económicas e maior aceitação por parte dos consumidores. No turismo rural, constituem um elemento diferenciador que reforça a confiança e o valor da experiência.

O bem-estar animal é, assim, uma ponte entre ética e economia, entre produção e turismo, entre tradição e inovação. É o reflexo de um setor agrícola moderno, competitivo e alinhado com as expectativas da sociedade. Em última análise, investir no bem-estar animal é investir na sustentabilidade e na competitividade das explorações portuguesas.